Eu tinha cerca de dez anos quando meu pai escolheu uma nova forma de torturar a mim e a minha irmã mais nova: a tabuada.
Nada relacionado a apanhar com tábuas, mas, metaforicamente, a mesma coisa.
Era um horror. Chegava o fim de tarde e ele nos chamava para cobrar a tabuada. Uma primeiro, a outra depois. Lembro bem que odiávamos, nos enchíamos de raiva daquela situação.
Um dia, percebi que os métodos do meu pai eram ruins, rígidos, desgradáveis mas, pelo menos, eu sabia a tabuada e isso era muito útil.
Hoje, uns 18 anos depois, lembrei desse episódio e percebi mais uma coisa: o admirável esforço de meu pai.
Nessa época, ele trabalhava longe de casa. Saía cedo para voltar tarde. Ficava o dia todo sem ver as filhas nem a esposa. E, quando chegava em casa, ao invés de curtir um momento feliz em família - humano desejo - ele fazia um esforço maior, por nosso bem.
Mesmo sabendo que odiávamos "a hora da tabuada", mesmo tendo que abrir mão de instantes de sossego e alegria, ele queria nos dar um patrimônio (do tipo que credores não levam).
Bem, matemática ainda é meu calcanhar de Aquiles, mas eu sei a tabuada, toda. Acho que valeu nossos sacrifícios.