quinta-feira, outubro 25, 2012

ENXERGAR O MUNDO

Saiu de Andorinhas do Sul para estudar. Cursava o primeiro ano de faculdade quando completou 17 anos. Orgulho da família, na colônia era tido como um prodígio.

Interessado, logo se envolveu em projetos, conseguiu um estágio para custear as viagens a congressos. Colocou-se a meta de realizar um intercâmbio antes de terminar a faculdade.

Foi.

Ficou fora do país por um semestre. 

A avó, longe do único neto, sofria. Queria mandar carta, pediu o endereço quando ele ligou pra casa. "Demora muito, vó. É melhor a gente usar chat, fala com algum vizinho pra ensinar vocês." Ela não entendia. "Pela internet, vó. Com o computador, sabe? É bem fácil." Não sabia. Não gostava de mexer naquela coisa, tentou e não deu certo.

Quando voltou, já era início de período letivo, nem pôde ir pra casa ver a família. Recebeu encomenda de compotas, queijo, salame e uns tricôs pra usar ainda neste inverno. Ligou pra casa, gostou muito, agradeceu.

Tinha uma relação bonita com a família, mas agora era homem do mundo. Apresentava trabalhos e já começava a ensinar outros estudantes em oficinas e workshops. Destacava-se. Era bom naquilo.

Um acidente. O caminhoneiro dormiu, atravessou a pista e bateu de frente na Variant dos pais. "O condutor do veículo morreu na hora, a passageira, que estava no carona, foi socorrida e levada ao hospital, mas não resistiu. O motorista do caminhão nada sofreu". 

A avó ficou sozinha. Daria tudo a ela, decidiu.

Concordaram facilmente. O acordo era simples, ela largava tudo para morar com ele mas iriam seguido para ver o pessoal de Andorinhas e visitar o cemitério. Entendiam-se muito bem.

Ter companhia quando estava em casa era muito bom. Sentava na varanda com a velhinha, reparavam na vizinhança e riam juntos.

Amava a avó, queria mostrar o mundo a ela. Paralelo ao mestrado dava aulas de "iniciação ao mundo real", como ele brincava ao contar para os amigos. Demorou um pouco, mas com o tempo ela pesquisava receitas novas e até aprendia alguns artesanatos nos vídeos do site do programa de tevê. Ela se esforçava pelo netinho. "Menino bom".

Colocou a avó em aulas de hidroginástica. Ela não gostava, dizia a ele, mas frequentava.

Pacientemente acolhia todas as novas ideias do rapaz. Ele queria ajudar.

Já era hora  de dar um novo passo. Contou a novidade com os olhos cheios de emoção: o doutorado seria na Inglaterra, tinham que providenciar o passaporte da velhinha. Ela ia pro estrangeiro!

Ela recebeu a notícia em silêncio, os olhos cheios de outra emoção. Pegou a mão do neto entre as suas. Tremia um pouco. Chorava. "Meu filho, vai. Mas a vó quer ir pra casa."

Explicou que era só por poucos anos, quando menos esperasse tinham voltado. E ela viajaria, conheceria lugares. Fariam um tour pela Europa. "Lá é tudo perto, vó". Ela não queria contrariar o neto, mas não mentiu.

Passou dois dias triste, procurando conselhos de todo mundo, precisava uma solução. Conversou de novo com ela, desistiria se ela não fosse junto. Estava muito idosa e não tinha a mais ninguém. 

Queriam se entender, mas não estava tudo bem.

Pela primeira vez desde que se mudara para lá, ela foi firme. Mas doce como sempre. Ele seria feliz se seguisse seu caminho, ela seria feliz se voltasse pra sua casinha, já a tinha pedido de volta aos inquilinos. E um estaria mais feliz se o outro também estivesse, era simples.

"Meu querido, esperei que você se formasse para voltarmos pra casa. Então, você continuou estudando e esperei de novo. Pensei que você poderia trabalhar lá, talvez, com tanto estudo, virasse nosso prefeito, consertasse a cidade, fizesse escolas bonitas. Vejo que você se esforça pra não perder contato, manteve a promessa de visitar a gente de lá... Mas, faz pouco, enxerguei bem: aquele não é seu mundo. Queria que você sentisse o que sinto naqueles campos, naquela praça. Queria que você fosse o orgulho da família lá. Queria exibir você para o meu mundo. Mas isso não te faria feliz, meu filho. Você quer exibir seu mundo pra mim, não vai dar certo. Entendi que o que é pequeno pra você é meu universo inteiro, mas também entendi que tudo que você acha de maior importância não faz falta nenhuma pra mim. Vai querido, quero que você tenha tudo o mesmo que eu: a sensação de fazer parte do mundo."

O neto foi embora. Achou lá uma moça que foi morar com ele.

A velhinha voltou para Andorinhas, conseguiu uma moça que fazia companhia e cuidava bem dela.

Ela foi a Londres para o casamento do neto e o bisnetinho inglês veio ao enterro dela.

Um mundo pleno, conquistado. Feliz por seguir seu próprio caminho.